quinta-feira, 28 de junho de 2007

A força de não ter força

Que força essa, o dinheiro?

Existir sem dinheiro é uma existência pobre. Esta poderá parecer uma afirmação oca, mas não é tanto assim. Julgando pela acepção objectiva (ou pelo menos objectiva segundo os padrões pela qual a julgamos), pobre é um estado ou característica que implica uma incapacidade ou escassez de. Se monetariamente pobre, é-se incapacitado de participar na giga.joga capitalista; no pobre de espírito, está implícita uma falta de visão, nobreza ou ética; no pobre coitado, falta de algo, carinho ou não, que gera um excesso de compaixão. Ora quando sem dinheiro algum, somos pela sociedade considerados os três, porque não nos esforçamos que chegue para o obter, logo não temos, e somos portanto “pobres, coitados!”. Esta classificação poderá não ter efeito significativo no receptor, mas o problema é que realmente tem. Se não temos poder monetário, sentimo-nos inevitavelmente em falta para com a sociedade. A máquina do comboio exige, em letras pretas e inamovíeis, 1.60 euros e de nada serve pedir-lhe que mude de ideias. Se ocasionalmente acontece faltarem 5cêntimos para pagar um pão, logo nos olham os clientes enfurecidos pela pressa matinal normal em todo o cidadão pensando que género este de pessoa que não pode sequer pagar um pão. A experiência talvez mais humilhante por que passei foi pedir dinheiro para um bilhete. É curioso como os olhares mudam instantaneamente de possivelmente risonhos para acusadores, ou então tolhidos de pena. Essa mesquinha pena de quem se sente culpado por ter mais que outros, e, por isso, obrigado a partilhar. E então remexem as carteiras, onde tilintam dezenas de outras moedinhas sequiosas de uso, saltam para uma mão desconhecida e abrem um vazio no mais centro do centro mais central de quem as recebe. Resignada, mas ainda sentindo-se irremediavelmente em falta para com a máquina, as pessoas, o tempo que parou para servir uma causa sem causa, e por fim toda a estrutura edificada que a recebe, por favor.Grande falatório quando o ponto fulcral é: se por um momento nos afastamos do que é convencionalmente tido como correcto, sentimo-nos em falta. Pobres, realmente pobres. O dinheiro foi na verdade um pretexto. Vivamos nós sempre suficientemente à margem!

sábado, 23 de junho de 2007

Saga da vida real ou o atendimento atencioso, alegre e devotado do Hospital de Cascais

Cascais. Passam 17 minutos de um dia novo, de horas ainda vazias. Desço por uma rua estreita ao quadrado, atulhada de lixo, seguindo, desconfiada, o que parecem ser as indicações concordantes de toda a população quanto ao caminho a seguir para o Hospital. Que se imagina quando se fala de Hospital? Porventura um edíficio grandioso, glorioso de cheiros variados em mistelas explosivas, uma azáfama incompleta de macas, gentes ocupadas, gemidos lancinantes, urgências apinhadas de gente moribunda, médicos empenhados, bebendo café enquanto resolvem quebra-cabeças da medicina. Vá, a imagem fiel do que se vê num qualquer filme americano. Ou na mais recente e aclamada versão da medicina em casa, House. Derrubando quaisquer expectativas, este Hospital é sem dúvida peculiar. Nas “urgências”, uma senhora de 50 anos, magérrima de fumo, é claro, dourada de vestes, cabelos e perucas e coisas afins, espera pela consulta como quem aguarda um convite para uma festa social. Este local de espera consiste num pequeno corredor, encostadas cadeiras de várias nações, cores e feitios ao longo das paredes (inclui-se aqui, atenção, dois bancos corridos de madeira do género cartedral de convento), uma pequena (senão mesmo mínima) televisão que alonga testas e encurta corpos (suponho que o ingrediente humorístico da cela de adoentados), uma máquina repleta dos mais variados petiscos gordurosos, transgénicos, açucarados e outros que tais bons para a saúde e duas casas de banho, nada de misturas de sexos, com aroma de que não recebem limpeza há, por certo, mais de 2 horas (já que parece ser esta a lei nos centros comerciais). Apesar da aflição, e estando eu com suspeita de uma infecção urinária, nem me atrevi a lá entrar. Aguardo 30min. Sacos de plástico, envólucros de donuts, papéis ranhosos irrompem intermitentemente pela porta escancarada do hospital. Começo a sentir-me engripada. Eis que chamam, numa voz inevitavelmente anasalada e estranhamente superior. Empurro portas, percorro corredores, espreito por portas pútridas, e ninguém, ninguém chama por mim. Primeira vivalma que encontro não é um médico mas um segurança. Depois de indicações por demais evasivas, encontro-me na devida salinha. Surruram dois médicos, um espanhol e um brasileiro, acerca de uma senhora que jaz, imóvel e inchada de doença, numa maca no corredor: “Pois, não sei que terá ela...(1) Queixa-se, queixa-se e não é capaz de apontar nenhum sintoma específico...(2) Mande-mo-la para casa! (1­e 2). Alguém informa a senhora de que tem alta e então é o pandemónio, senhora agarrando os lençóis grita: “Estou doente, não posso saír”, enfermeiro diz: “Mas em casa está mais cómoda!”. Enfim...Minha vez. Explico, sumariamente, em não mais de 2 minutos, o meu problema. O meu problema era não saber se existia problema, logo estava naturalmente à espera de uns testes. Passados um minuto e meio, o espanhol, que durante o meu breve discurso olhava, dístraído, para a parede branca por detrás de mim, seco, bruto, de bigode grisalho (carreira secundária: toureiro), prescreve imediatamente um antibiótico. Ora eu, sabendo-me sensível ao dito medicamento, logo reclamei que tivera febres alucinógeneas da última vez que o tomara (daquelas que encurtam e alargam aleatoriamente as divisões da casa, fazem subir o chão e descer o tecto, simulam vozes dizendo coisas impossíveis, multiplicam os sons do género twilight zone). O médico logo riposta, gritando (sim, gritando!): “Nenhum medicamento causa febres, isso são tudo manias!”, etc. etc (quando na bula da tal Ciprofloxacina Ratiopharm (Diabólico comprimido!), os efeitos secundários incluíam febres, e, pior, a morte (hihih). Muito mal encarado prescreve outra coisa, acerca da qual pergunto se não interfere com a pílula. Mais outra gritaria: “Nenhum medicamento interfere com a pílula, vocês são uns ignorantes!” Bla bla bla. Timidamente, pergunto se não será melhor fazer testes, para ter a certeza se estarei ou não com a dita doença de que me queixei vagamente (já a tive, sei do que falo). Cúmulo final, gritaria derradeira em como eu estava a pôr em causa a competência do senhor doutor (e se não estava!).
Pergunto-me: fora eu uma velhota que não faria pergunta alguma e a minha consulta de 8 euros (sim, aumentou!), seria em suma um falatório de 1 minuto e meio e uma perscrição muito provavelmente errada. No dia seguinte, reuniria as minhas pobres poupanças e compraria o antibiótico na farmácia mais próxima. Dois dias depois, morro de febres alucinogéneas na minha cama, só, sem nenhuma companhia.

Negligência médica?

(sorry,estendi-me!)