domingo, 13 de maio de 2007

Poema 1

Poema de 09/01/06 .
Decidi que alguns poemas não devem ficar para sempre no caderninho remetido para os mais fundos do fundo da gaveta. A vontade é de ver alguém identificado nestes mesmos sentires.

"Estar só.
Estar acompanhado do que não é.
E ser com ele.
O não ser é um ser apagado
O que quiçá já foi,
é a ausência de algo e de nada,
é o que está, sem estar,
entre o nada que é tudo
e o tudo que nada é.

Estou no tudo
(ou talvez no nada)
Tudo para mim é demenos
Demais para mim é nada.

Assim extravazo o que me
parece ser a essência do que não é,
o estar do não estar.

Sou o excesso
e o que não chega a ser."

(sempre tive a sensação de que esta prosa corrida, mais que poema, está inacabada. Mas assim ficará)

Insuficiência

Um poema meu de 09/05/05.
Hoje estou nostálgica.
(seja compreensível, apesar de hermético)

"Subo o poste na esperança
de ver mais alto.

Paro apenas quando o cume
já há muito se quebrou,
tanto anseio aquele algo
que de mim fugiu.

Procuro-o cá ao perto, lá ao fundo.
Nada, só esboços caídos de
uma outrora obra completa.

É então que te avisto:
Alto, imponente, longe, muito longe.

Caminho na tua direcção
em desalento, em passo lento
e inseguro, busco-te,
mas tu és um rompante.

Estás alto, muito alto.

Cais para ora te levantares,
sorris, estendes a mão em convite.
Mas nesse vazio tremendo não te vejo sorrir.

Apenas a tua mão se mostra,
apontando um outro rumo
que não o que sigo,
autoritária.

Apaga-me a vontade (agora rastejo).

Subo o poste na esperança
de ver mais alto.
Desapareceste no espaço confuso;
Agora, tudo postes,
Electricidade,
emaranhados de gente vazia,
No fim, eu só.

Vejo não mais do que delibero."

sábado, 12 de maio de 2007

Pavão/Pavão albino













Realmente, como não ser vaidoso?

Publi Cidade

Porquê publicidade?

Passeio os meus pés pela calçada empedernida da cidade e eis que esbarro numa indefinidamente comprida linha de estandartes sorridentes. Desleixo o passo, arrastam-se os membros subitamente livres de controlo, saltitam incansavelmente os olhos de papel feliz em papel feliz e vejo-me por fim com uma tola expressão de agrado no rosto, involuntária e indesejada. Que me querem? Seduzem-me, apelam-me, agradam-me, ao mesmo tempo que me sacodem da realidade, alheiam do mundo em que devo viver, cegam da verdade física dos que me rodeiam. Poder-se-á pensar que os publicitários acreditam ingenuamente no poder da cadeia “acto bom-resposta boa” que pode gerar uma visão feliz num dia genericamente mau. Felicitar num momento único toda a humanidade? Não me parece. Mais perverso, se cuidadosamente analisado: a contínua apreensão visual de Universos feitos perfeitos faz-me acreditar ser indelevelmente inacabado e insuficiente o meu próprio Universo. O que me leva a ponderar a questão da dicotomia feliz/infeliz. Afinal, apenas se tiram conclusões sobre o nosso próprio estado de felicidade se comparando a realidades paralelas. Ora a publicidade consiste na maior oferta possível de realidades facilmente comparáveis, passivas, bidimensionais, descomplexificadas. Poderão argumentar que desde sempre existiram normas tidas como padrão de absoluta perfeição. E é verdade, nomeadamente na instituição família. No entanto, toda a família sabe existir uma norma outra, muitas vezes confundida com perfeição: a compustura social. Existe um certo comportamento adoptado quando em convívio social, que reinforça a união familiar e exibe às outras famílias a força do clã. Mas este não é mais do que uma reacção quase animalesca de protecção, e todos sabem porfim que nenhuma família poderá algum dia obedecer em privado à compustura anunciada. É uma ilusão que todos sabemos combater, à qual o peso de séculos já nos ensinou a resitir. Nada comparável ao delicioso mundo da publicidade, onde se reúnem, numa única imagem, todas as compusturas possíveis: bom pai/mãe, bom estudante, bom empregado/a, bom usufruidor de lazer, magro, saudável, sempre satisfeito...é este o verdadeiro produto antes do produto usuário em si. Que resistência possível, que força de espírito será capaz de não transpôr para um mundo onde a felicidade é, de facto, uma sensação fragmentada em momentos esparsos no tempo, este outro mundo completo, inteirinho, inegável e eternamente feliz que se nos apresenta metro após metro, segundo após segundo, palavra após palavra? Não seria afinal mais simples se tudo se resumisse a sensações de bem ou mal estar, conforto ou desconforto, sensações em tudo mais simples e livres do significado quase epopeico, de tanto almejado, conversado, reflectido, inabalavelmente infinito da felicidade/infelicidade? Porque de facto nada é infinito.

Deixem-me Ser
(onde está o refúgio?)

Qual, enfim, o efeito da publicidade? A compra, talvez. Plasmar na boca de todo e qualquer transeunte desprevenido um acordeão de dentes desalinhado e espontâneo, imcompreensível, roubando-lhe a função da fala? Provavelmente. Mas onde fica o espaço para a vivência espontânea dos sentires crus do mundo real?
Onde, em que tela a expressão dos verdadeiros “Eus” cirandantes, atulhados de imagens?

quarta-feira, 9 de maio de 2007

Espaço Social

Tenho vindo a observar o comportamento dos utilizadores de transportes públicos.
As pessoinhas várias cirandam, numa dança conjunta, procurando o seu espaço, ainda que ínfimo, de distanciamento dos outros. Afinal, quando em grupo, aprende-se cedo que a barreira entre nós e os outros é intransponível e inabalável. Ocorre um pequeno toque e segue-se o habitual envergonhado "oh!desculpe!" (ou na versão mais natural um simples tímido "descul" ( a letra "p" e "e" engolidas na preguiça da pronúncia completa de uma palavra gasta de significado por tanto repetida)). Uma troca de olhares menos fugaz e logo se escondem por debaixo das pálpebras os olhos indicretos (adicionando-se uma pequena auto recriminação: "Não se olha fixamente menina!"), ou antes se desviam procurando indefinidamente, do outro lado do vidro impermeável a sensações, outros objectos quiçá mais aliciantes. Ou a derradeira prova, o empurrão, capaz de fazer alterar a aparência serena de qualquer um num torvelinho de palavras sujas. Ainda sucedem outros tipos de comunicação, menos espontânea, fruto da era moderna. O I-pod, Mp3 e outros que tais são verdadeiros infernos ambulantes, subtilmente invadindo a melodia da vida que corre na cabeça do vizinho. Assim, pode-se perfeitamente fazer uma viagem onde se experienciam simultanemamente os mais diversos géneros musicais, sejam kizomba, pop-rock daquele mais hit top now da MTV ou mesmo, muito raramente, um Vivaldi electronicamente repercutido.
Oh! civilização!
Pé fora da minhoca transportadora, o silêncio preenchido dos ruídos normais da cidade; pé dentro, uma sinfonia inacabada e incompreensível que resulta de uma mistura concentrada de sons alheios e odores indesejados.
Um verdadeiro festival de sentidos!
Por isso digo: quem não experiencia esta partilha única de espaço, não compreende verdadeiramente o seu espaço social formal. Há todo um código de coexistência espacial lido nos gestos, olhos, volume da voz de quem os acompanha.
No entanto, um grupo em especial teima em contrariar esta etiqueta subversiva, e sem que tenha alguma denominação em especial (ou acusam-me de racista, discriminadora de minorias e outros insultos impróprios que tais), pode entender-se como pessoas de nível cultural pouco mais que mínimo (ui!). Num primeiro impulso febril, perscrutam com os olhos, a cabeça, todo o corpo bamboleante, a minhoca transportadora e, parece-me que irreflectidamente iniciam invariavelmente um diálogo para um alguém imaginário (usualmente sentado num canto qualquer da minhoca inobservável pelo comum mortal). Esse inclui uma enxórdia inacabável de queixumes, comentários e observações de uma pertinência, à falta de outro adjectivo, pessoal, e até por vezes uma indignação estranhamente revelada entre profundos silêncios.
Engraçado é observar que, qual crianças em hiperactividade, estes seres têm dificuldade em permanecer sentados, antes vagueam pela minhoca, tornada aparentemente gigante, mas mais e mais exígua aos olhos de quem suporta aquela esfuziante comunicação unilateral.
Fica a pergunta, para a qual gostaria de encontrar uma resposta plausível, ainda que, entenda-se, completamente apoiada no mais puro senso-comum: estará a necessidade de espaço social intimamente relacionada com o nível cultural (seja isto o que for...) ?
Como gostava de entender...