quarta-feira, 9 de maio de 2007

Espaço Social

Tenho vindo a observar o comportamento dos utilizadores de transportes públicos.
As pessoinhas várias cirandam, numa dança conjunta, procurando o seu espaço, ainda que ínfimo, de distanciamento dos outros. Afinal, quando em grupo, aprende-se cedo que a barreira entre nós e os outros é intransponível e inabalável. Ocorre um pequeno toque e segue-se o habitual envergonhado "oh!desculpe!" (ou na versão mais natural um simples tímido "descul" ( a letra "p" e "e" engolidas na preguiça da pronúncia completa de uma palavra gasta de significado por tanto repetida)). Uma troca de olhares menos fugaz e logo se escondem por debaixo das pálpebras os olhos indicretos (adicionando-se uma pequena auto recriminação: "Não se olha fixamente menina!"), ou antes se desviam procurando indefinidamente, do outro lado do vidro impermeável a sensações, outros objectos quiçá mais aliciantes. Ou a derradeira prova, o empurrão, capaz de fazer alterar a aparência serena de qualquer um num torvelinho de palavras sujas. Ainda sucedem outros tipos de comunicação, menos espontânea, fruto da era moderna. O I-pod, Mp3 e outros que tais são verdadeiros infernos ambulantes, subtilmente invadindo a melodia da vida que corre na cabeça do vizinho. Assim, pode-se perfeitamente fazer uma viagem onde se experienciam simultanemamente os mais diversos géneros musicais, sejam kizomba, pop-rock daquele mais hit top now da MTV ou mesmo, muito raramente, um Vivaldi electronicamente repercutido.
Oh! civilização!
Pé fora da minhoca transportadora, o silêncio preenchido dos ruídos normais da cidade; pé dentro, uma sinfonia inacabada e incompreensível que resulta de uma mistura concentrada de sons alheios e odores indesejados.
Um verdadeiro festival de sentidos!
Por isso digo: quem não experiencia esta partilha única de espaço, não compreende verdadeiramente o seu espaço social formal. Há todo um código de coexistência espacial lido nos gestos, olhos, volume da voz de quem os acompanha.
No entanto, um grupo em especial teima em contrariar esta etiqueta subversiva, e sem que tenha alguma denominação em especial (ou acusam-me de racista, discriminadora de minorias e outros insultos impróprios que tais), pode entender-se como pessoas de nível cultural pouco mais que mínimo (ui!). Num primeiro impulso febril, perscrutam com os olhos, a cabeça, todo o corpo bamboleante, a minhoca transportadora e, parece-me que irreflectidamente iniciam invariavelmente um diálogo para um alguém imaginário (usualmente sentado num canto qualquer da minhoca inobservável pelo comum mortal). Esse inclui uma enxórdia inacabável de queixumes, comentários e observações de uma pertinência, à falta de outro adjectivo, pessoal, e até por vezes uma indignação estranhamente revelada entre profundos silêncios.
Engraçado é observar que, qual crianças em hiperactividade, estes seres têm dificuldade em permanecer sentados, antes vagueam pela minhoca, tornada aparentemente gigante, mas mais e mais exígua aos olhos de quem suporta aquela esfuziante comunicação unilateral.
Fica a pergunta, para a qual gostaria de encontrar uma resposta plausível, ainda que, entenda-se, completamente apoiada no mais puro senso-comum: estará a necessidade de espaço social intimamente relacionada com o nível cultural (seja isto o que for...) ?
Como gostava de entender...

3 comentários:

marabumbinho disse...

Finalmente encontrei alguém que saiba escrever no meio desta teia blogosférica ordinária! Tu és um diamante bruto por lapidar e (se é que já não o tenhas conquistado) sugiro que procures um lugarzinho no Público ou mesmo na Visão poque isto tem que ser audível. Não continues a dar caviar aos pobres, experimanta aumentar a fasquia..
P.S.: tive que criar um blog só para comentar isto, simplismente tive que fazê-lo porque tus és mesmo um achado! Continuarei ansiosamente de olhos postos no teu blog.

clara disse...

Antes de mais, fico muito agradecida pela apreciação positiva, é um real incentivo. Quanto a publicar os meus textos, é algo de que me têm vindo a falar, mas não sei sinceramente se a minha qualidade chega a esse nível. Não significa isto que escreva mal, mas muitas pessoas escrevem bem, o que não é o mesmo que saber comunicar emoções ou fazer reflectir grandes massas. Acho que a minha escrita está ainda muito estreitamente ligada ao meu pequeno mundo.
Desculpa ter-te obrigado a criar um blog! As configurações estavam incorrectas...pensa assim: deste liberdade de comentário aos futuros leitores! E, quiçá, descobrirás em ti talentos ocultos.

A frequência de postagem poderá ser eventualmente não satisfatória, mas enfim...que bom ter um leitor!

Anônimo disse...

Olá Clara,
Sou uma pessoa muito distraída e esqueci-me completamente do código para o meu blog e por isso perdi-o.. mas parece que não faz mal porque eu cosegui fazer-me comentar-te sem a necessidade de blogs burocráticos.

Fico feliz com isso e por outro lado compreensivamente triste por suspeitar que não tens tempo suficiente para postar ou, na minha sugestão entusiasmada, apostar na publicação os teus textos. Oh odioso mundo moderno que sulga-nos o tempo sem piedade! É nesses momentos que nos sentimos o que realmente somos: insignificantes.

E é por isso que devemos abraçar com toda a vontade aquilo que de mais significado temos, ou melhor, raras pessoas como tu têm, que é o dom. Não quero com isto parecer elogioso em demasia mas procuro ser o mais franco o possível e dizer o que tem que ser dito. Aquilo que conheço de ti são pouquíssimas palavras escritas por uma determinada ordem e ritmo que revelam um mundo complexo e sensível por descobrir. E é isso que mais me fascina, o lado oculto das pessoas (especialmente as que sofreram uma pequena magia divina e nasceram, coitadas, com talento a mais) é uma sensaçao de ânsia e impotência que me consome... Bem já deves estar a achar isto muito estranho por isso vou parar por aqui os meus devaneios antes que te assuste e fiques completamente arrependida de ter permitido comentários anónimos...